Guia Básico sobre Vulcões e energia geotermal para um bitcoinheiro

por Pudim

De uma maneira incrível e inusitada, a toca do coelho do Bitcoin cruzou com o tema “vulcão” quando o Presidente de El Salvador, Nayib Bukele, e sua equipe transformaram o Bitcoin em uma das duas moedas oficiais do país (junto com o dólar) e determinou que o seu ministro de energia começasse a minerar Bitcoin na usina de energia geotermal do país. 

Para mim, autor da página Explica Bitcoin, foi duplamente incrível pois eu sempre curti vulcões quando eu era criança e estudei o tema na minha formação acadêmica (estudei geologia por uma década). 

Vulcão é um desses assuntos que quando a gente é criança a gente tem um fascínio, assim como múmias e dinossauros (no meu caso). Pensando nessa criança interior que eu acredito que muitos bitcoinheiros também possuem, eu resolvi fazer um Guia Básico sobre Vulcões e energia geotermal para que quem quiser possa entender um pouco mais sobre o assunto.    

Reuters “Dinheiro cresce em vulcões? El Salvador explora mineração de Bitcoin”
Nayib Bukele “Ele (o dinheiro) vai (crescer em vulcões)”

Energia geotermal

A mineração de Bitcoin é um processo móvel que depende basicamente de uma fonte de energia, do equipamento adequado e uma conexão com a internet para que o protocolo do Bitcoin possa ser rodado. Considerando que o acesso ao equipamento é simples e o acesso a internet já é quase universal, o fator determinante para a implementação de uma operação de mineração é o custo da energia.

A energia geotermal é uma das alternativas de fonte energética que os mineradores de Bitcoin possuem. O processo de geração de energia geotermal pode ser descrito da seguinte forma:

1 – o ambiente precisa possuir vulcões ativos ou recentemente inativos (de modo que o solo ainda não tenha esfriado)

2 – o magma (o nome da lava quando ela ainda está embaixo da terra) das proximidades desses vulcões aquecem a água acima de 100°C

3 – essa água acima de 100°C (e portanto no estado gasoso na forma de vapor) é bombeada para a superfície. 

4 – O vapor passa por uma turbina, gerando eletricidade. O vapor esfria e vira uma água quente 

5 –  Essa eletricidade é enviada para ser utilizada nos centros consumidores (ou para mineração de Bitcoin).

6 – Uma torre de resfriamento esfria a água quente e essa água é reinjetada no subsolo.  

Figura esquemática explicando o processo de geração de energia geotermal. Os itens 1 a 6 estão explicados ao longo do texto

Este processo de geração da energia geotermal é um processo 100% “verde”, uma vez que o subproduto desse processo é somente o vapor d’água. Ou seja, as fumarolas que nós vemos saindo das instalações de geração de energia geotermal na imagem abaixo podem até parecer poluição, mas elas são só água quente. 

Usina de geração de energia geotermal na Islândia

A utilização da energia geotermal depende basicamente da existência de fontes geotermais. Esse processo pode ser efetuado em qualquer lugar do mundo que possui vulcões ativos, como no Japão, Islândia, Indonésia, Açores, Havaí, Galápagos e assim por diante. 

Usina de geração de energia geotermal no Quênia

Vulcões

Talvez você se lembre das suas aulas de geografia física no Ensino Médio, mas provavelmente não. Então vamos recapitular brevemente o processo de formação de um vulcão. 

Existem 2 tipos básicos de vulcões, os vulcões intra-placa (que são formados dentro das placas tectônicas) e os vulcões formados nos limites das placas tectônicas. 

Tectônica de placas são “a casca do ovo” da Terra. Ou seja, se a gente fatiasse a terra como uma cebola, as placas tectônicas são a casca superficial fina dessa cebola.

Nesse desenho esquemático é possível ver como a crosta é fina em relação as outras camadas do fundo da Terra

As placas tectônicas estão em constante movimento, como blocos de isopor boiando numa piscina de água. Existem diferentes tipos de interação entre as placas, e estas interações geram a maioria dos vulcões do mundo. O Brasil não possui vulcões ativos e nem terremotos pois se encontra inteiro no centro da Placa Sul Americana, e o ambiente intra-placa geralmente é livre de vulcões e é livre de terremotos (salvo eventos extremamente raros conhecidos como terremotos intraplaca). 

Limites das placas tectônicas com o movimento relativo que está acontecendo entre elas

As placas se movimentam ao longo do tempo, de forma que o mapa da Terra já foi bastante diferente ao longo da sua “vida”. Uma reconstituição desses movimentos e do formato da Terra no passado pode ser vista aqui

Vulcões nos limites das placas possuem 2 categorias principais: os vulcões formados onde as placas estão colidindo e os vulcões formados onde as placas estão se afastando. Eles são formados por magma superficial, que por sua vez é formado pela subducção da placa tectônica (geologuês para “quando uma placa afunda na outra”) que libera fluidos que estava preso nas pedras dessa placa. Quando estes fluidos interagem com o material aquecido em sua volta (a astenosfera, a camada que fica abaixo da crosta continental e da crosta oceânica), eles abaixam a temperatura de fusão e fazem com que este material aquecido se transforma em magma.  Esses vulcões são formados na crosta e no manto superior, a parte mais superficial da Terra.

Ilustração esquemática com com a localização dos dois tipos de vulcões (intraplaca e no limite das placas) e a posição geográfica deles nas placas.  

Vulcões Intraplaca são conhecidos na geologia como hotspots e são menos comuns. Eles são formados por magmas que vêm das profundezas da Terra (na interface manto-núcleo) e que atravessam a placa tectônica acima. Os vulcões intraplaca são encontrados aleatoriamente em diversas regiões do mundo e exemplos conhecidos desse tipo de vulcão são: Islândia, Havaí, Yellowstone, Açores, Galápagos, Tahiti, Afar e por aí vai. A imagem abaixo mostra a localização destes vulcões e como ela não está relaciona as placas tectônicas

Localização de diversos vulcões intraplaca (hotspots) do mundo

Os vulcões intraplaca são “fixos” em relação às placas, pois suas raízes são mais profundas. O magma desses vulcões intraplaca vem desde a parte inferior do manto e do contato entre o manto e o núcleo. Isso significa que, conforme as placas se movimentam, o fato desses vulcões ficarem fixos deixa um “rastro” da direção do movimento da placa. Por exemplo: o Havaí é um arquipélago com diversas ilhas, mas só a maior possui um vulcão ativo. As outras ilhas foram formadas por esse mesmo hotspot, mas conforme a placa tectônica do Pacífico foi mexendo esse hotspot foi gerando novas ilhas.  

Exemplo do Havaí de como um hotspot fixo gera um arquipélago de acordo com a direção do movimento da placa. Uma representação esquemática deste processo pode ser vista neste vídeo

Os vulcões que possuem a formação associada à tectônica de placas são encontrados sempre no limite das placas. Eles são formados em menor número onde as placas estão se afastando (como é o caso em toda a cadeia Dorsal Mesoatlântica), e em maior número onde as placas estão colidindo.

Mapa com a localização dos vulcões ativos do mundo e dos terremotos. Note que mesmo sem desenhar as placas tectônicas elas são claramente visíveis.

Ilhas vulcânicas, as cidadelas ideais? 

Existem diversas ilhas vulcânicas ao redor do mundo inteiro, especialmente no Oceano Pacífico, que apresentam ótimas condições para se tornarem as primeiras cidadelas. 

Se essas ilhas vulcânicas estiverem em regiões tropicais ou equatoriais elas irão possuir solo fértil, pois o intemperismo químico das rochas vulcânicas gera solos ricos em Fe e Mg que são ótimos para o cultivo. Um exemplo disso é a famosa “terra roxa” que ocorre no interior de São Paulo e nos estados do Sul. Essa terra é o resultado direto do intemperismo químico de um tipo específico de rocha vulcânica (se você quiser se aprofundar mais veja aqui). 

As ilhas vulcânicas também costumam ter bastante chuva, pois os vulcões geram cadeias de montanha que geram chuvas orográficas (as chuvas que acontecem quando massas de ar úmido colidem com cordilheiras de montanha). 

Ilha do Havaí cheia de nuvens, exemplificando que as de chuvas orográficas abundantes em ilhas vulcânicas

As ilhas oceânicas geralmente também possuem tradição na pesca e e alimentação costuma ser rica em peixes e frutos do mar. Isso acontece porque essas ilhas são ambientes com recifes de corais e alta diversidade de vida marinha. 

Corais com rico ecossistema marinho

Ou seja, as ilhas vulcânicas tropicais e equatoriais geralmente possuem a) solo fertil, b) peixes e frutos do mar e c) água doce. 

Um dos memes que existem na comunidade dos bitcoinheiros é que começarão a surgir cidadelas, ou seja, pequenas Cidades-Estado autônomas fortes, como na Renascença. E não é difícil imaginar que estas pequenas ilhas vulcânicas são o ambiente ideal para essas cidadelas. 

Futuro da mineração de bitcoins nas Ilhas Vulcânicas

Já existem centenas ou milhares de ilhas vulcânicas com população pequena que utilizam a energia geotermal. Nessas ilhas, é só expandir a capacidade produtiva da usina geração de energia geotermal que a mineração de Bitcoin é feita com energia “verde” e grátis. Expandir a capacidade produtiva é uma linguagem chique para “cavar mais buracos” no solo envolta da usina geotermal. Expandir a capacidade de geração de energia geotermal não é complexo e geralmente essas usinas não geram mais energia simplesmente porque essa energia seria desperdiçada.

Aogashima Island no Japão, uma possível cidadela bitcoinheira japonesa?

Agora uma pequena adivinhação (ou um chute educado):

Possivelmente essas ilhas vulcânicas vão formar algumas das primeiras cidadelas. Diferentes ilhas, com diferentes características, formarão cidadelas com qualidades diferentes e atrairão pessoas que estão em busca de objetivos diferentes. Por exemplo (ou “não custa sonhar”): talvez existiram cidadelas focadas em atrair surfistas, como possivelmente será o caso do Tahiti.

Ilha do Tahiti, Polinésia Francesa, uma possível cidadela bitcoinheira focada em surfista?

Também existe muita energia geotermal sem utilização nas centenas de ilhas vulcânicas desabitadas que existem por aí. Hoje essa energia é desperdiçada. Isso acontece porque o ser humano não possuía uma boa tecnologia de conservação de energia (uma bateria) que permita o transporte dessa energia até algum mercado consumidor. 

Mas com a chegada do Bitcoin isso mudou. 

O Bitcoin é a bateria perfeita. Se a ilha vulcânica tiver internet, a mineração de bitcoins permite “trocar” a energia geotérmica na forma de “energia monetária” (os bitcoins) que pode ser transportada para qualquer lugar. Ou seja, como bem disse o presidente Nayib Bukele, o dinheiro de fato nascerá em vulcões a partir da mineração de bitcoin com energia geotermal.

Com a chegada do Bitcoin, é possível imaginar todas as ilhas com usinas geotermais instaladas em todas as ilhas vulcânicas, habitadas ou desabitadas. Isso tornaria a rede Bitcoin muito mais robusta e verde do que ela já é hoje em dia. 

Vulcão Augustine, uma ilha desabitada na região do ártico do Alasca que pode ser uma futura localidade de usinas de energia geotermal. 

Risco Vulcânico 

Bom, mas nem tudo são flores. Quando a gente escuta a palavra vulcão a gente sempre associa com perigo. Os filmes de Hollywood treinaram bem a nossa imaginação (ou pelo menos a minha) e a brincadeira “o chão é de lava” sempre foi levada muito a sério. Para quem gosta de filmes de catástrofe, dois clássicos s para alimentar a imaginação de tragédias vulcânicas são “O Inferno de Dante” e “Volcano”.

Cena do filme “Volcano”, onde um vulcão destrói a cidade de Los Angeles

 De fato, uma erupção vulcânica pode ser um evento extremamente perigoso. Existem diversos casos conhecidos de tragédias relacionadas a erupções vulcânicas como o famoso caso de Pompéia e Herculano, duas cidades romanas destruídas pelo Monte Vesúvio; ou as 20.000 mortes relacionadas com a erupção do Monte Nevado del Ruiz, na Colômbia, entre vários outros que eu poderia ficar citando a exaustão. Basicamente: morar perto um uma montanha de lava que pode explodir é uma decisão que pode ser considerada arriscada. 

Aldeões andam sobre cinzas enquanto carregam uma vítima da lava quente do Monte Sinabung, na ilha ocidental de Sumatra, na Indonésia

Mas o quão arriscado? Na verdade, assim como tudo na vida, muito do risco pode ser mitigado com um pouco de pesquisa. 

Os vulcões são formados por magmas, que basicamente são “pedras” “derretidas” por estarem em altíssimas pressões e temperaturas nas profundezas da Terra. Então, dependendo de quais pedras foram derretidas para formar determinado magma, este terá composições químicas diferentes. 

Falando de um jeito bem simplista, é possível dividir os magmas de acordo com a sua composição química em dois grandes grupos principais: os magmas máficos (básicos) e os magmas félsicos (ácidos). Os nomes não são importantes, o que importa é que essa diferença de composição química faz com que vulcões com tipos de magmas diferentes costumam ter tipos diferentes de erupções. Ou seja, as erupções dos vulcões não são sempre iguais e elas tendem a variar de acordo com a composição química dos magmas que geram esses vulcões.

Falando de uma maneira bem simples: existem magmas que escorrem e magmas que explodem. Isso acontece porque alguns magmas (os máficos) são menos viscosos, o que significa que eles escorrem com uma facilidade maior. Escorrer (processo conhecido como derrames de lava) significa que esses vulcões não estão acumulando pressão. 

Outros magmas (os félsicos) são mais viscosos e não conseguem escorrer. Eles acumulam muito mais pressão e são os responsáveis pelas erupções mais explosivas quando essa pressão é liberada.

É claro que essa é uma explicação bem simplificada, e que existem sim feições variadas e mistas e vulcões que escorrem podem ter eventos explosivos e vice-versa. Não escolha em qual ilha vulcânica morar baseado só nesse texto (obviamente). 

Erupções que escorrem:

Acontecem principalmente nos magmas básicos (máficos), que são menos viscosos e portanto fluem ao invés de acumular pressão. Um dos exemplos mais conhecidos dessas erupções de lavas que escorrem ocorre no Monte Kilauea, no Havaí.  Os derrames de lavas podem parecer assustadores, mas na verdade eles só afetam uma quantidade pequena do território das ilhas vulcânicas.

Derrame de lava recente no Havaí visto de cima
Um breve guia sobre vulcões e energia geotérmica para os bitcoinheiros que quiserem se aprofundar mais no tema "Vulcão"
Meme que sintetiza bem o risco de um derrame de lava

Erupções que explodem:

São as erupções com maior risco vulcânico, uma vez que toda a energia acumulada pelo magma mais viscoso acaba sendo liberada de uma vez. Essas erupções explosivas liberam lavas, como pode ser visto aqui, que é um risco vulcânico muito grande para quem está nas proximidades do vulcão. 

Mas o maior risco de uma explosão vulcânica não é a lava (como a maioria das pessoas imagina), mas sim o fluxo piroclástico, que é a nuvem de poeira superaquecida (até 700°C) que viaja em altas velocidades (por vezes superiores a 80km/h) e queima tudo em que encosta. O fluxo piroclástico alcança uma distância significativamente maior que as lavas expelidas, e por isso são o principal risco em uma erupção vulcânica. 

Explicação visual do que são os fluxos piroclásticos
Run forrest, run
Família de Pompeia coberta por um fluxo piroclástico, um dos maiores riscos em uma erupção vulcânica

Ou seja…

  • A energia geotermal é verde e abundante, o que a torna uma fonte ideal de energia para a mineração de bitcoins. 
  • Existem muitas ilhas vulcânicas espalhadas pelo mundo e elas serão excelentes locais para a formação de cidadelas de bitcoinheiros, pois elas apresentam energia abundante para a mineração, solo fértil, água doce e biodiversidade marinha
  • Essas ilhas vulcânicas tendem a se tornar cada vez mais importantes para a rede Bitcoin e é possível imaginar um futuro em que grande proporção da hashrate venha dessas ilhas. 
  • Morar perto de um vulcão ativo apresenta vários riscos, mas cada localidade vulcânica terá seus próprios dados e sempre é possível mitigar o risco vulcânico com um pouco de pesquisa. Se você não quiser pesquisar praticamente nada, só pesquise o suficiente para ir em uma ilha de magma máfico (Havaí, Islândia, Galápagos e Açores são boas alternativas, uma vez que os vulcões intraplaca são geralmente formados por esses magmas pouco viscosos)

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